A graça de Deus é experimentada singularmente no descanso. A máquina é desligada, a produção é deixada de lado e a função torna-se irrelevante. O descanso é para apenas ser — e enquanto somos, tornamo-nos mais densos, estáveis e capacitados a responder à pergunta “quem sou eu?”.
O descanso é um círculo de sanidade — a falta de seu desfrute é danosa à inteireza da alma. Assim como discos rígidos de computador, os seres humanos vão se fragmentando à medida em que trabalham. O resultado é desgaste, lentidão e falha na execução dos processos. É preciso tirar um dia para a reunião organizada das partes, a fim de garantir um novo período de trabalho eficiente. É assim com a inteligência digital, é assim com a inteligência humana. Deus estabeleceu o descanso para esta reorganização, um dia dentre sete para nada fazer, somente adorar (Gênesis 2.1-3).
É difícil, mesmo para a religião, vincular descanso e adoração. Adorar é reconhecer os atributos de Deus e declarar nossa finitude, algo que vai muito além da participação humana na liturgia dominical. Na verdade, o instante de culto é a culminação de um processo que iniciou-se antes: a mente foi liberada, digerimos, vagarosamente, a Escritura, nos deitamos, dormimos, levantamo-nos sem pressa, comemos com tranquilidade, enxergamos os detalhes da criação (e isso inclui as pessoas) e investimos tempo em oração e privacidade saudável (é assim que “ouvimos” a Deus). Qualquer coisa diferente disso, seja atividade aparentemente importante (até mesmo religiosa) ou desejável como entretenimento, é mero trabalho.
Descansar é, literalmente, humilhar-se, é aprender a depender. O descanso é um freio às realizações, uma indicação de que compreendemos que não somos deuses e que o mundo prossegue sem nós. Eis a humilhação: a empresa continua se pararmos um dia na semana; o serviço acumulado do escritório, representado pela pilha de papéis depositada na caixa de pendências, estará sempre lá, semana após semana, mês após mês, ano após ano — e certamente, depois de nossa morte. Nenhum empreendedor quebrará por guardar o dia de descanso, pois, se por um lado somos importantes, por outro, somos irrelevantes. Quem não descansa se ilude imaginando ser a potência que mantém as coisas funcionando. Está sempre pronto a tomar providências, esquecendo-se de que é sustentado pelo Senhor da Providência (Salmo 127.2).
Por isso mesmo, descansar é um ato de fé. A pessoa que cessa as suas atividades para restaurar as forças e louvar ao Criador, demonstra que crê no cuidado divino: “Se eu parar não passarei naquele concurso ou tal problema não terá solução” são pensamentos comuns ao homem natural, mas não deveriam dominar a mente piedosa. O cristão maduro confia que Deus suprirá suas necessidades (Filipenses 4.19). Ele não somente diz que Deus é bom e todo-poderoso, mas ele experimenta dessa bondade em demonstrações cotidianas de misericórdia.
Assim sendo, uma agenda sobrecarregada é tão pecaminosa quanto uma agenda ociosa. Uma semana sem descanso é desobediência do quarto mandamento. Os mais poderosos circuitos precisam de refrigeração. O refrigério da alma chama-se descanso e não devemos estranhar que seja difícil descansar, pois nada que diga respeito à vida espiritual é fácil. Na mentalidade secular, “tempo é dinheiro”, descanso é desperdício. Na economia divina, os seis dias de produtividade intensa devem ceder espaço para o fazer nada que confirma a poderosa inatividade da dependência que provém da fé.
Rev. Misael. Publicado no Boletim 023.