Ao utilizar a analogia do corpo para referir-se à igreja, Paulo aponta para verdades profundas. Como corpo, a igreja é um organismo e não apenas uma instituição. Ela é formada de indivíduos que desfrutam de uma comunhão pessoal com o Senhor, e que se juntam para louvá-lo voluntariamente. Deus é buscado e servido em amor por todos os que, pela graça, tiveram seus corações transformados. É neste corpo que somos interligados como família (Efésios 2.14-22). Uma mera organização formal não consegue isso. Trata-se de algo vivo, uma realidade orgânica e não institucional.
Um organismo saudável cresce naturalmente e nos momentos certos (Efésios 4.16). De fato, a ideia de um corpo que cresce sem parar é monstruosa. Ademais, um pré-adolescente não precisa ordenar aos seus braços e pernas que cresçam, nem necessita agendar a data exata em que a sua voz de criança sofrerá as primeiras alterações. O organismo desenvolve-se de acordo com as orientações contidas em seu código genético. Do mesmo modo, aos homens cabe cuidarem do suprimento do corpo de Cristo (neste aspecto há muito a fazer em termos de instrução bíblica e serviço) entendendo que a igreja cresce segundo o propósito de Deus (1Coríntios 3.6).
Organismos adoecem. Sendo assim, não existem igrejas cem por cento saudáveis, invulneráveis aos vírus e bactérias à sua volta. Igrejas normais apresentam infecções e disfunções de toda ordem. Nelas encontramos tanto a graça salvadora (o elemento de saúde) quanto o pecado infeccioso (o elemento da doença). Igrejas perfeitas não existem, pelo menos deste lado da vida.
Corpos se cansam. Mesmo o melhor maratonista do mundo pode se sentir exausto. Esgotamentos físicos, emocionais e espirituais afetam o desempenho do corpo e este, em alguns contextos, só funcionará bem depois de um tempo de descanso ou mesmo de um tratamento especial. Assim, abandonemos o mito de uma igreja continuamente pujante, cujos membros são todos animados, cuja tônica é sempre de júbilo e os pastores são versões evangélicas de apresentadores de programas de auditório. Você, líder, esqueça-se da ilusão de ter um grupo de pessoas cem por cento motivado vinte e quatro horas por dia sete dias por semana. Isso não existe em qualquer igreja sobre a face da terra. Faz parte do ciclo biológico normal períodos de disposição e cansaço. A igreja é corpo e não a máquina de Cristo (mesmo as máquinas se cansam se não tiverem manutenção).
Organismos são multitarefa. Em uma igreja de mais de 400 membros, em apenas uma semana pessoas podem nascer, se casar, se separar, adoecer, recuperar a saúde, consagrar-se, afastar-se da fé, ser promovidas em seus empregos, passar em concursos ou exames vestibulares, perder o emprego, lidar com filhos rebeldes, receber bênçãos familiares, ser convertidas e morrer — sem falar das múltiplas questões administrativas cotidianas. Tudo isso em sete dias. E normalmente sem que uma saiba do que ocorre com as demais.
Por fim, organismos são limitados e finitos. Nem tudo funciona sem falhas; processos são iniciados e têm de ser interrompidos e isso se repete ininterruptamente. Se fosse numa empresa as coisas não seriam assim, mas trata-se de um organismo.
Tal ponderação produz uma reflexão madura e livre das imposições do institucionalismo. Ela nos liberta para nos enxergar como somos, sem fanatismos ou ideais antibíblicos. Ela ajuda a liderança e os liderados, concedendo alento nos momentos difíceis. Ela auxilia mostrando que a igreja é o corpo de Cristo, ou seja, ela encontra sua força e dignidade no Senhor afirmando-se viva. E tudo o que é vivo, pelo menos nesta nossa dimensão antes da consumação, é imperfeito e depende da graça de Deus.
Rev. Misael. Publicado no Boletim 138, de 19/08/2012.