Tudo começou com a palavra falada: “Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus […]” (Hb 11.3). Falando, Deus criou, proveu e organizou (Gn 1.3—2.3). Sendo assim, é descabido pensar em “palavra de Deus” como teoria ou discurso dissociado de ação. Deus não fala “apenas por falar”. Sua fala denota operação e “não volta vazia” (Is 55.11). Ao enviar sua palavra Deus cura, modifica o mundo e regenera os homens (Sl 107.20; 147.15-20; 1Pe 1.23-25). A palavra divina assegura a vida, restaura a alma e sustenta o cosmos (Dt 8.3; Sl 19.7-10; Hb 1.3).
Deus o Pai fala por meio de Deus Filho que é chamado de “Verbo”, por meio de quem “todas as coisas foram feitas” (Jo 1.1-3; Cl 1.15-16). O Espírito Santo fala como “sopro” da boca de Deus (Sl 33.6; cf. Gn 1.2). O Deus Triúno opera falando, de tal modo que sempre devemos pensar em Deus e a Palavra ou em Deus na Palavra, jamais em Deus ou a Palavra, como se aquele exigisse a desconsideração desta, ou como se ambos — Deus e sua Palavra — pudessem ser absolutamente separados.
Deus decidiu não apenas falar, mas mediar sua fala, pronunciar-se por meio de homens. Em seguida, os moveu a escrever, sendo o AT e NT produtos deste esforço (Êx 17.14; 34.27; Is 30.8; Jr 30.1-2; 36.2; Lc 1.1-4; Jo 20.3031; Gl 6.11; Ap 1.19). A escrita da palavra demarcou a transição de uma cultura oral, baseada na escuta, para uma cultura visual, baseada na leitura. A “religião das profecias” cedeu lugar para a “religião do livro”.
Deus procedeu assim “para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo”.¹ A Bíblia escrita é adequada não apenas para “propagar”, mas também para “preservar” a verdade dos enganos do coração, para que não se repita o que ocorreu nos tempos de Jeremias (Jr 23.25-26), e para nos proteger das mentiras do diabo, atualizando o alerta do próprio Cristo, em Mateus 24.24-25: “porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos. Vede que vo-lo tenho predito”. Ao encerrar sua Palavra falada na escrita, Deus garantiu que as novas gerações acessem ao evangelho tal como ele é, sem deturpações ou ilusões engendradas por Satanás ou pela mente do homem ou cultura decaídas.
Pr. Misael.
1. Confissão de Fé de Westminster, 1.1, in: Bíblia de Estudo Herança Reformada, p. 1992.