Uma família de discípulos de Jesus
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Esta terra é de vocês [Dt 3.12-22]

Esta terra é de vocês: exposição de Deuteronômio 3.12-22

12 Tomamos, pois, esta terra em possessão nesse tempo; desde Aroer, que está junto ao vale de Arnom, e a metade da região montanhosa de Gileade, com as suas cidades, dei aos rubenitas e gaditas. 13 O resto de Gileade, como também todo o Basã, o reino de Ogue, dei à meia tribo de Manassés; toda aquela região de Argobe, todo o Basã, se chamava a terra dos refains. 14 Jair, filho de Manassés, tomou toda a região de Argobe até ao limite dos gesuritas e maacatitas, isto é, Basã, e às aldeias chamou pelo seu nome: Havote-Jair, até o dia de hoje. 15 A Maquir dei Gileade. 16 Mas aos rubenitas e gaditas dei desde Gileade até ao vale de Arnom, cujo meio serve de limite; e até ao ribeiro de Jaboque, o limite dos filhos de Amom, 17 como também a Arabá e o Jordão por limite, desde Quinerete até ao mar da Arabá, o mar Salgado, pelas faldas de Pisga, para o oriente. 18 Nesse mesmo tempo, vos ordenei, dizendo: o Senhor, vosso Deus, vos deu esta terra, para a possuirdes; passai, pois, armados, todos os homens valentes, adiante de vossos irmãos, os filhos de Israel. 19 Tão-somente vossas mulheres, e vossas crianças, e vosso gado (porque sei que tendes muito gado) ficarão nas vossas cidades que já vos tenho dado, 20 até que o Senhor dê descanso a vossos irmãos como a vós outros, para que eles também ocupem a terra que o Senhor, vosso Deus, lhes dá dalém do Jordão; então, voltareis cada qual à sua possessão que vos dei. 21 Também, nesse tempo, dei ordem a Josué, dizendo: os teus olhos veem tudo o que o Senhor, vosso Deus, tem feito a estes dois reis; assim fará o Senhor a todos os reinos a que tu passarás. 22 Não os temais, porque o Senhor, vosso Deus, é o que peleja por vós. Deuteronômio 3.12-22.

Sermão do Pastor Misael Batista do Nascimento. Pregado na Igreja Presbiteriana de São José do Rio Preto, no culto da noite, em 30/11/2025.

Introdução

Há momentos na vida em que Deus nos coloca diante de uma fronteira. Não é o Egito, que já ficou para trás, nem é ainda Canaã do outro lado do Jordão. É aquele território do “quase lá”, onde a poeira do deserto ainda gruda nos pés, mas o cheiro da terra boa já começa a bater no rosto. É justamente nesse chão de transição, que o Senhor testa o nosso coração.

Israel estava assim em Deuteronômio 3. A Transjordânia, recém-tomada, ainda cheirava a vitória quente, e os gigantes derrubados ainda ecoavam na memória do povo. Mas antes que alguém pudesse fincar raízes e montar a rede Deus chama Moisés, o mediador da aliança, para organizar algumas coisas: Distribuir terra, convocar para a solidariedade e preparar o sucessor.

Celebrar vitórias passadas é fácil. O difícil é lembrar que a bênção que Deus dá não é só para eu possuir e sim para servir. A conquista não é só para assegurar meu próprio pedaço de chão; implica ajudar meu irmão a chegar lá. Nos termos da Escritura, as dádivas recebidas de Deus nos fazem responsáveis enquanto caminhamos com o próximo.

Prestemos atenção no que Deus está fazendo por meio de Moisés. Ele não reparte apenas território. Ele reafirma uma missão e um propósito. Isso nos ajuda a entender a promessa de Deus não como uma poltrona confortável e sim como convocação para gratidão, coragem e solidariedade. Para olhar além de nossa própria cerca e atentar para a comunidade do pacto como um todo.

Sendo assim, o título deste sermão, Esta terra é de vocês, deve nos fazer pensar não somente em posse, descanso ou herança. Somos chamados a refletir sobre missão, obediência e responsabilidade.

Israel começa a receber a terra, mas precisa atentar para três coisas: [1] receber com humildade, [2] caminhar com o irmão e [3] preparar a próxima geração.

No texto lido isso transparece, primeiro, com [1] Moisés distribuindo a Transjordânia (v. 12-17); em seguida, com [2] Moisés convocando para a solidariedade na luta (v. 18-20) e finalmente, com [3] Moisés preparando Josué (v. 21-22).

Vejamos, em primeiro lugar, que…

I. Moisés distribui a Transjordânia

12 Tomamos, pois, esta terra em possessão nesse tempo; desde Aroer, que está junto ao vale de Arnom, e a metade da região montanhosa de Gileade, com as suas cidades, dei aos rubenitas e gaditas. 13 O resto de Gileade, como também todo o Basã, o reino de Ogue, dei à meia tribo de Manassés; toda aquela região de Argobe, todo o Basã, se chamava a terra dos refains. 14 Jair, filho de Manassés, tomou toda a região de Argobe até ao limite dos gesuritas e maacatitas, isto é, Basã, e às aldeias chamou pelo seu nome: Havote-Jair, até o dia de hoje. 15 A Maquir dei Gileade. 16 Mas aos rubenitas e gaditas dei desde Gileade até ao vale de Arnom, cujo meio serve de limite; e até ao ribeiro de Jaboque, o limite dos filhos de Amom, 17 como também a Arabá e o Jordão por limite, desde Quinerete até ao mar da Arabá, o mar Salgado, pelas faldas de Pisga, para o oriente.

A importância de Moisés como servo mediador da aliança é enfatizada pelo verbo “dar”, que aparece nos v. 12,13,15,20. É Moisés quem dá, ou seja, quem distribui a terra recém-conquistada de Seom e Ogue.

Os v. 12-17 informam duas coisas, primeira, que a Terra foi distribuída entre as tribos de Rúben e Gade (“rubenitas e gaditas” no v. 12) e “a meia tribo de Manassés” (representada por Jair e Maquir). Duas tribos e meia.

Ademais, ficamos sabendo que a terra distribuída é ampla (e você pode ter uma ideia das dimensões da Transjordânia distribuída consultando um bom Atlas bíblico). A terra é ainda adequada para tais tribos que criavam gado, como esclarece um servo de Deus:

Eles [israelitas das tribos de Rúben, Gade e Manassés] desejavam especialmente essa terra porque eram pastores e o território era adequado para seu gado (Nm 32). As duas tribos e meia foram autorizadas a fortificar as cidades para que suas famílias vivessem nelas e também a construir currais para seus rebanhos e manadas.[1]

Moisés está dizendo à nova geração de israelitas, que ouvia este seu sermão: “Inimigos gigantescos foram vencidos. Comecem a possuir a terra que eu distribuo entre vocês” — é o que temos aqui.

Em segundo lugar, entendamos que, nesta passagem…

II. Moisés convoca para a solidariedade na luta

Pois aqui ele pronuncia uma ordem, daí, na ARC, Moisés “manda” e na ARA, como lemos:

18a Nesse mesmo tempo, vos ordenei, dizendo: o Senhor, vosso Deus, vos deu esta terra, para a possuirdes […].

Você pode comparar esta parte do v. 18 com o que temos no v. 20, “para que eles também ocupem a terra que o Senhor, vosso Deus, lhes dá dalém do Jordão”. Então concluímos que o texto enfatiza não apenas a mediação de Moisés, mas acima de tudo, a fidelidade e generosidade de Deus bem “dar a terra” a Israel, para que este a possua e ocupe.

Mas como dissemos, não se trata apenas de conquista e ocupação. É também ocasião para demonstrar solidariedade aos irmãos, ajudando-os na conquista da terra restante (v. 18b-20).

18b […] passai, pois, armados, todos os homens valentes, adiante de vossos irmãos, os filhos de Israel. 19 Tão-somente vossas mulheres, e vossas crianças, e vosso gado (porque sei que tendes muito gado) ficarão nas vossas cidades que já vos tenho dado, 20 até que o Senhor dê descanso a vossos irmãos como a vós outros, para que eles também ocupem a terra que o Senhor, vosso Deus, lhes dá dalém do Jordão; então, voltareis cada qual à sua possessão que vos dei.

Os que receberam terras não podiam se acomodar, esquecendo-se dos demais. Pelo contrário, a ocasião demandava ajuntamento e ajuda na Guerra Santa, desapossando os outros povos sob sentença de Deus e abrindo espaço para o desfrute definitivo da herança prometida no pacto.

Em outras palavras, nenhum israelita vence na vida sozinho. Um deve ajudar o outro até que todos tomem posse de suas respectivas terras. Como explica o Pr. puritano Matthew Henry:

Estes homens não retornariam às suas famílias, pelo menos não para fixar-se (embora durante algum tempo pudessem retirar-se para lá, em alojamentos de inverno, no final de uma campanha), até que tivessem visto seus irmãos de plena posse dos seus respectivos termos, como eles agora tinham plena posse dos seus. Eles precisavam, com isto, aprender a não considerar somente as suas coisas, mas também às coisas dos outros, Filipenses 2.4.[2]

Outro servo de Deus insiste que:

A promessa de Deus se cumpre na medida em que todos desfrutem a terra que Deus lhes deu, e não apenas alguns poucos. A terra é dada por Deus a todos; portanto, todos participam da possessão, para que todos possam desfrutá-la. Quem já realizou a conquista é uma questão secundária. A unidade do povo de Deus se dá em palavras e em ações. Quando essa solidariedade se perde, a identidade de Israel se vê em perigo (CF. Js 22).

Essa mensagem é necessária para o nosso tempo, tão assolado pelo individualismo. A maioria das promessas de bem-estar e a prosperidade de Deus são comunitárias, não individuais. E, quando são pessoais, no final tornam-se comunitárias. Na Bíblia não há promessas individualistas. Portanto, podemos dizer que um evangelho individualista não é um evangelho cristão nem bíblico. O lema de Deuteronômio e de toda a Bíblia é o bem-estar de todos, não de apenas alguns.[3]

Moisés está sublinhando isto: “Ajudem seus irmãos a conquistar”. Ele convoca para a solidariedade na luta.

Em terceiro lugar, percebamos que…

III. Moisés prepara Josué

Mais uma ordem de Moisés (v. 21), seguida por um convite a reflexão e confiança.

21 Também, nesse tempo, dei ordem a Josué, dizendo: os teus olhos veem tudo o que o Senhor, vosso Deus, tem feito a estes dois reis; assim fará o Senhor a todos os reinos a que tu passarás. 22 Não os temais, porque o Senhor, vosso Deus, é o que peleja por vós.

[1] “Josué, pense no que viu; pondere naquilo que você mesmo testemunhou e vivenciou. Nós vencemos dois oponentes tidos por indomáveis e insuperáveis”.

[2] “Josué, pense no que Deus fará. Assim como ele fez no passado, ele assegura que fará no futuro. Deus está conosco na Guerra Santa”.

[3] “Josué, Deus fará tudo isso; completará a conquista da Terra Prometida. E você será o novo servo mediador da aliança” — ‘tu passarás’” (v. 21; cf. 1.36).

[4] Finalmente, “Josué, vença seu maior e pior inimigo, que é o medo. Saiba que você não estará sozinho. A vitória não decorrerá de sua estratégia, nem força. Deus vencerá. Deus lutará por vocês”.

Como explica Craigie:

Moisés volta a atenção para Josué, que deveria tomar seu lugar como líder dos israelitas na terra prometida. […] As palavras a Josué são completadas com um apelo para que não temesse o homem, o inimigo visível e tangível, pois o Senhor, ainda que invisível e intangível, é o que luta por vocês.

Com esta palavra, Deus está ajudando a nova geração de israelitas, que escuta seu sermão: “Acolham o pastoreio de Josué”. Moisés prepara Josué para assumir como novo servo mediador da aliança.

Dito isto, podemos começar a concluir.

Conclusão

Recapitulando, em Deuteronômio 3.12-22, [1] Moisés distribui a Transjordânia, [2] convoca para a solidariedade na luta e [3] Moisés prepara Josué.

[1] A distribuição da terra repisa um tema caro a Deuteronômio. Deus é Senhor sobre tudo (sobre todas as coisas).

Como afirma nossa irmã Ana Rock, uma serva do Senhor de voz potente e alma sensível, Deus é Senhor sobre a terra. Ele é Deus sobre o céu, sobre a luz, sobre as trevas. Deus é sobre tudo que possa vir desta vida. Deus está sobre tudo. Ele está sobre a esperança, sobre o medo, sobre a alegria, sobre a dor. Deus é grande em poder. Exaltado nas alturas. Ele reinará para sempre. Será para sempre glorificado. Ele é Deus sobre tudo.[4]

Esta constatação não é apenas de caráter abstrato, legal ou institucional. Não se trata apenas de afirmar, liturgicamente, que Deus é adorado em um trono exaltado e sublime. Implica Deus conosco dalém do Jordão. Deus vivo e prático, interagindo comigo e contigo. Falando. Instruindo. Corrigindo. Aconselhando. Ordenando. Configurando — fazendo diferença no modo como pensamos e vida, tomamos decisões, agimos e reagimos a outras pessoas e ao mundo. Deus é Senhor sobre tudo afeta o modo como nós compreendemos a nós mesmos; afeta o modo como nós nos divertimos; afeta o modo como administramos nossos pensamentos e sentimentos. Deus é Senhor sobre tudo define no que cremos, quem somos, o que fazemos e deixamos de fazer.

Não há como permanecer neutro, impassivo ou o mesmo depois de entender que Deus é Senhor sobre tudo. Deus prometeu uma terra e já está concedendo. Deus prometeu salvação por meio de Jesus e já está salvando. Ele é Senhor sobre tudo. Ou cremos nele. Ou nos dobramos a ele. Ou nos damos a ele. Ou pereceremos como Seom e Ogue. E como a geração que morreu no deserto.

[2] Nossas lutas e conquistas não são individualistas e sim coletivas. A cultura darwinista enfatiza a sobrevivência do mais forte e apto. A cultura bíblica enfatiza a solidariedade entre irmãos. Nos termos da mentalidade imperialista e individualista, o sujeito realizador se posta no topo de um monte e grita alto: “vim, vi e venci”.[5] Nos termos do Evangelho nós damos as mãos uns aos outros enquanto declamamos Romanos 8.37: “Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou”. Em uma música que consta em nossa nova coletânea de cânticos de adoração, nós aprenderemos a cantar:

Glória ao Filho na sua igreja Somos o corpo de Cristo Em uma só voz, nós declaramos Somos o corpo de Cristo.

Em outras palavras, nós caminhamos olhando para o alto — para nosso Senhor ressurreto e exaltado — e para o lado — uns para os outros, para o nosso próximo. Prestando atenção para acolher, amparar e ajudar. Como ponderou um servo de Deus:

Não é adequado que um israelita seja egoísta, e que dê preferência a qualquer interesse privado acima do bem estar público. Quando estamos descansando, devemos desejar ver nossos irmãos também descansando, e estar dispostos a fazer tudo o que pudermos para isto. Pois nós não nascemos para nós mesmos, mas somos membros, uns dos outros. Um bom homem não pode alegrar-se com os consolos da sua família, a menos que, além disto, veja a “paz sobre Israel”, Salmos 128.6.[6]

O que devemos mudar a partir de hoje para pedirmos e oferecermos ajuda? Temos de sair do casulo, do “ninho” confortável. Temos de estender a mão. Saber que não estamos sozinhos; somos uma família de discípulos de Jesus, uma família de Deus.

É isso que o Espírito de Deus está criando no mundo: uma família. Uma nova humanidade, um povo distinto, eleito; uma nação santa, um sacerdócio real.

O que eu posso fazer para demonstrar isso nesta semana? Quem sabe mandar uma mensagem de WhatsApp, interceder, compartilhar alimento ou, quem sabe, uma roupa. Ou uma fração de atenção e tempo.

Até que meu irmão também desfrute de descanso, e a família dele também tenha seu tiquinho de terra e pão com leite e mel.

[3] Nós não temos como prosseguir sem o pastoreio do mediador da aliança.

Moisés foi o mediador da aliança durante o êxodo. Josué foi o mediador da aliança durante a conquista da herança de Canaã. Jesus é o mediador da nova, superior e definitiva aliança, coimo lemos em Hebreus 8.6:

Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas.

Entreguemo-nos ao pastoreio de Jesus, ainda hoje. Peçamos a ele para nos conduzir em nossas peregrinações e conquistas. E a nos ajudar quando não vencemos, pois ele é o Redentor que cura e concede alento aos exaustos.

[4] Avancemos confiantes! “O Senhor, o seu Deus, é quem lutará por vocês” (Dt 3.22, NVI). Como explicou o Pr. Henry:

E esta causa pela qual o Senhor dos exércitos peleja não pode deixar de ser vitoriosa. Se Deus é por nós, quem será contra nós, de modo a prevalecer? Nós envergonhamos o nosso líder, se o seguirmos tremendo.[7]

Vamos orar sobre isso.


Notas

[1] WIERSBE, Warren W. Be equipped. 2ª ed. Colorado Springs: Cook Communications Ministries, 2010, Bible study by Olive Tree.

[2] HENRY, Matthew. Comentário bíblico Antigo Testamento: Gênesis a Deuteronômio. Edição completa. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2010, v. 1, p. 1920.

[3] BENÍTEZ, M. A. “Deuteronômio”. In: PADILLA, C. R. et al. (Org.). Comentário bíblico latino-americano. São Paulo: Mundo Cristão, 2022, p. 219-220. Logos software.

[4] ROCK, Ana. Cântico “Sobre tudo”. Disponível em: . Acesso em 30 nov. 2025.

[5] “Frase em latim supostamente proferida pelo general e cônsul romano Júlio César em 47 a.C. (veni, vidi, vici)”. WIKIPÉDIA. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Veni,_vidi,_vici>. Acesso em: 30 nov. 2025.

[6] HENRY, op. cit., p. 1921.

[7] HENRY, op. cit., p. 1921-1922.