Uma família de discípulos de Jesus
Capa sermões em Deuteronômio 1024x1024

O Deus fiel sustenta [Dt 2.1-8]

1 Depois, viramo-nos, e seguimos para o deserto, caminho do mar Vermelho como o Senhor me dissera, e muitos dias rodeamos a montanha de Seir.
2 Então, o Senhor me falou, dizendo: 3 Tendes já rodeado bastante esta montanha; virai-vos para o norte. 4 Ordena ao povo, dizendo: Passareis pelos limites de vossos irmãos, os filhos de Esaú, que habitam em Seir; e eles terão medo de vós; portanto, guardai-vos bem. 5 Não vos entremetais com eles, porque vos não darei da sua terra nem ainda a pisada da planta de um pé; pois a Esaú dei por possessão a montanha de Seir [Gn 36.6-8]. 6 Comprareis deles, por dinheiro, comida que comais; também água que bebais comprareis por dinheiro.
7 Pois o Senhor, teu Deus, te abençoou em toda a obra das tuas mãos; ele sabe que andas por este grande deserto; estes quarenta anos o Senhor, teu Deus, esteve contigo; coisa nenhuma te faltou.
8 Passamos, pois, flanqueando assim nossos irmãos, os filhos de Esaú, que habitavam em Seir, como o caminho da Arabá, de Elate e de Eziom-Geber, viramo-nos e seguimos o caminho do deserto de Moabe. Deuteronômio 2.1-8.

Sermão do Pastor Misael Batista do Nascimento. Pregado na Igreja Presbiteriana de São José do Rio Preto, no culto da noite, em 02/11/2025.

Introdução

Nós estamos estudando o primeiro sermão de Moisés, proferido diante da nova geração de israelitas acampados a leste do Jordão, no deserto de Moabe, pouco antes de entrarem na Terra Prometida.

Depois de investir bastante tempo e espaço falando sobre a rebelião e confusão do povo em Cades-Barneia, Moisés dá um salto de várias décadas e resume os anos finais da peregrinação de Israel, desde Cades até Moabe.[1] Ele faz uma pausa dramática em 2.14-15, para registrar o 38º ano de andança, quando a geração antiga é finalmente extinta e, a partir de 2.16 até 3.29, se dedica a relembrar fatos recentes, vividos pela nova geração.

A visão agora será panorâmica, Moisés não entrará em muitos detalhes. Se você quiser conhecer os pormenores do que aconteceu com Israel neste período, recomendo a leitura de Números 14.1—21.35. Mesmo assim, o que ele menciona é digno de toda nossa atenção.

A narrativa pode ser dividida em três partes, sendo que na primeira parte, [1] Deus mantém Israel rodeando os montes de Seir (v. 1). Na segunda parte, [2] Deus ordena Israel a passar ao lado de Edom (v. 2-6). E na terceira parte, [3] Deus sustenta Israel até a chegada em Moabe (v. 7-8).

Vamos entender juntos, que, nesta passagem, em primeiro lugar…

I. Deus mantém Israel rodeando os montes de Seir

É o que lemos no v. 1: “Depois, viramo-nos, e seguimos para o deserto, caminho do mar Vermelho como o Senhor me dissera, e muitos dias rodeamos a montanha de Seir.”

Após a derrota em Horma, o povo de Deus se volta e segue “para o deserto, caminho do mar Vermelho”. Esta referência ecoa ou retoma a ordem divina em Deuteronômio 1.40: “Porém vós virai-vos e parti para o deserto, pelo caminho do mar Vermelho”. Por isso, aqui em 2.1, consta que eles fizeram isso “como o Senhor me dissera”.

O ponto de destaque é o que segue: “e muitos dias rodeamos a montanha de Seir”, ou, como lemos na NAA, no plural, “os montes de Seir”.[2] Com a expressão “muitos dias”, Moisés resume quase 38 anos de história do Êxodo. Como sugere um servo de Deus, “provavelmente em alguns dos seus descansos permaneceram diversos anos sem se movimentar”.[3]

Sabe aqueles israelitas mencionados em 1.41,43? Confusos, presunçosos e afoitos? Deus os forçou a parar; depois a desarmar acampamento e andar até a próxima instrução para parar e armar acampamento por outro tempo. E repetir a mesma rotina por “muitos dias”, monotonamente andando em círculos e parando, em torno da cadeia montanhosa de Seir.

O pastor puritano Mathew Henry declara, acerca desta experiência de Israel, que Deus procedeu deste modo a fim de cumprir duas finalidades, [1] de preparar os israelitas para Canaã e [2] preparar Canaã para a destruição. Ele escreveu que:

Com isto, Deus não apenas os castigou pelas suas queixas e incredulidade, mas: 1. Preparou-os para Canaã, humilhando-os pelo pecado, ensinando-os a mortificar seus desejos, a seguir a Deus e a se consolarem nele. O trabalho de tornar as almas adequadas para o céu é um trabalho que exige tempo, e isto deve ser feito através de uma longa série de exercícios. 2. Ele preparou os cananeus para a destruição. Durante todo este tempo, a medida da iniquidade deles se enchia. E, embora este período […] pudesse ter sido aproveitado, por eles, para que se arrependessem, foi mal utilizado por eles, para o endurecimento dos seus corações.[4]

A fala de Henry, relativa ao juízo divino sobre os povos de Canaã, nos ajuda a entender em que sentido a conquista da Terra é considerada Guerra Santa. Thompson explica que:

A expressão “Guerra Santa” […] se refere àquelas batalhas no começo da história israelita em que Israel, agindo sob o comando de Javé, o Senhor da história, tomou posse de Canaã em cumprimento do propósito de Deus e como resultado da iniquidade das nações que ocupavam aquela terra. Nem todas as guerras de Israel, entretanto, eram parte da Guerra Santa.[5]

Voltando ao texto, cumpre verificar ainda que, mesmo neste contexto, de disciplina, Deus é fiel em sua palavra e promessas. Sua palavra se cumpre em Israel, como lemos: “como o Senhor me dissera”. O seu propósito, de encaminhar seu povo para a Terra Prometida, permanece firme e inalterado.

É isso que temos em Deuteronômio 2.1: Deus mantém Israel rodeando os montes de Seir.

Vejamos ainda, em segundo lugar, que aqui…

II. Deus ordena Israel a passar ao lado de Edom

Nos v. 2-3, Deus fala ao povo mais uma vez por meio de Moisés, mediador da aliança, fornecendo novo comando e direção.

2 Então, o Senhor me falou, dizendo: 3 Tendes já rodeado bastante esta montanha; virai-vos para o norte.

A impressão que temos é que, de Cades, Israel foi diretamente para o norte, mas o caminho foi um pouco mais tortuoso. Primeiro os israelitas tiveram de descer até Eziom-Geber. O chamado “caminho do mar Vermelho” (v. 1), também conhecido como “o caminho do Mar de Sargaço corre ao leste de Cades-Barneia, estendendo-se de Elá, no Sul, até a região sudeste do Mar Morto (junto a Zoar), no Norte”.[6] Resumindo, o trajeto não era reto, e sim cheio de curvas e subidas.

Ademais, como temos dito, Deus se mostra fiel no seu trato com as nações (v. 4-5).

4 Ordena ao povo, dizendo: Passareis pelos limites de vossos irmãos, os filhos de Esaú, que habitam em Seir; e eles terão medo de vós; portanto, guardai-vos bem. 5 Não vos entremetais com eles, porque vos não darei da sua terra nem ainda a pisada da planta de um pé; pois a Esaú dei por possessão a montanha de Seir.

Aqui Deus se refere a Gênesis 36.6-8. Deus trata Edom com equidade. Deus é justo e fiel. Por conta disso, como lemos no v. 6, “comprareis deles, por dinheiro, comida que comais; também água que bebais comprareis por dinheiro”. Deus dará a Israel condições de prosseguir viagem adquirindo de Edom o que for necessário.

Em Deuteronômio 2.2-6: Deus ordena Israel a passar ao lado de Edom.

E isso nos encaminha para o terceiro ponto, qual seja…

III. Deus sustenta Israel até a chegada em Moabe

É o que temos nos v. 7-8, sendo que o v. 7 é um parêntese que cumpre uma função dupla. Primeiramente, Moisés pausa para falar aos ouvintes do sermão (a nova geração que está em Moabe):

7 Pois o Senhor, teu Deus, te abençoou em toda a obra das tuas mãos; ele sabe que andas por este grande deserto; estes quarenta anos o Senhor, teu Deus, esteve contigo; coisa nenhuma te faltou.

O que ele diz? Que Deus “abençoou [os israelitas] em toda a obra”. Deus sabe que a vida deles é dura enquanto peregrinam “por este grande deserto”. Deus esteve com e supriu suas necessidades, o tempo todo: “estes quarenta anos o Senhor, teu Deus, esteve contigo; coisa nenhuma te faltou.”

“Nova geração, preste atenção nisso, lembre-se disso: Deus não abandonou vocês no deserto; Deus cuidou de vocês; foi fiel a vocês; sustentou vocês no deserto!” Esta foi a fala de Moisés sussurrada aos ouvidos dos jovens que o ouviam pregar este maravilhoso sermão, em Moabe.

E o parêntese do v. 7 tem uma segunda função, de transição, encerrando esta parte da narrativa e preparando para a seguinte, sobre a passagem por Moabe, como lemos no v. 8:

Passamos, pois, flanqueando assim nossos irmãos, os filhos de Esaú, que habitavam em Seir, como o caminho da Arabá, de Elate e de Eziom-Geber, viramo-nos e seguimos o caminho do deserto de Moabe.

Assim o cenário fica pronto para o que seguirá, se Deus permitir, no próximo sermão sobre Deuteronômio. Por ora basta saber que em Deuteronômio 2.7-8: Deus sustenta Israel até a chegada em Moabe.

A partir daqui, podemos começar a concluir…

Conclusão

Recapitulando, nesta passagem de Deuteronômio, [1] Deus mantém os israelitas rodeando os montes de Seir; em seguida [2] os ordena a passar ao lado de Edom e, finalmente, os sustenta até chegarem em Moabe. Moisés começa a construir uma ponte entre a geração anterior, dos pais, e a geração atual, dos filhos.

[1] A passagem nos ajuda a entender que o Deus fiel sustenta com graça e salvação. O tempo rodeando as montanhas de Seir não foi em vão. Deus estava, soberanamente, trabalhando o coração de seu povo.

A geração antiga foi disciplinada e não abandonada por Deus. A nova geração teve a oportunidade de conhecer o evangelho revelado nos sermões de Moisés e nos atos de culto no Tabernáculo. Todos os que creram na pessoa e obra de Jesus antecipada na expiação propiciada no Tabernáculo foram salvos.

[2] De acordo com o texto, o Deus fiel honra sua palavra com Israel e com todas as nações. Até mesmo a conquista de Canaã cumpre tratados, promessas e sentenças de Deus. Não é sem razão que a Bíblia convoca todos os povos a louvar ao Senhor.

[3] Por fim, esta narrativa traz ao nosso coração que o Deus fiel nos sustenta. Fiel ao pacto, Deus sustentou Israel de diversas formas (tragicamente com codornizes, graciosamente, com o Maná) e com água da rocha. Como lemos em Salmos 105.40-42:

40 Pediram, e ele fez vir codornizes e os saciou com pão do céu. 41 Fendeu a rocha, e dela brotaram águas, que correram, qual torrente, pelo deserto. 42 Porque estava lembrado da sua santa palavra e de Abraão, seu servo.

Pão é, ordinariamente, produto do esforço e trabalho humano, de acordo com Salmos 104.14: “Fazes crescer a relva para os animais e as plantas, para o serviço do homem, de sorte que da terra tire o seu pão”. Mas quem concede capacidade para trabalhar? E oportunidades de trabalho? De onde vem nosso sustento?

O fato de o maná ser chamado de “pão do céu” (Sl 105.40) remete à consideração de que o nosso sustento vem de Deus. Também aponta para Cristo, como consta em João 6.31-35:

31 Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer pão do céu. 32 Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o verdadeiro pão do céu é meu Pai quem vos dá. 33 Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo. 34 Então, lhe disseram: Senhor, dá-nos sempre desse pão. 35 Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede.

Mesmo que você se sinta confuso com tantos nomes e lugares novos, não se preocupe. O importante é que você grave o seguinte, Deus fiel nos sustenta. É isso que Moisés está dizendo para a nova geração.

“Nova geração, não tenha medo. Canaã está diante de vocês para ser conquistada. Vocês têm tarefas a cumprir, a missão de Deus a realizar. Vocês têm as próprias vidas de vocês para tocar e cuidar. Não temam; Deus caminhou com vocês durante 40 anos. Nada faltou. O Deus fiel nos sustenta”.

Vamos orar sobre isso.


Notas

[1] MCCONVILLE, Gordon. “Deuteronômio”. In: CARSON, D. A.; FRANCE, R. T.; MOTYER, J. A.; WENHAM, G. F. (Org.). Comentário bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 312.

[2] Seir é “o território edomita ao sul do Mar Morto”; cf. DEMPSTER, Stephen G. “Deuteronômio”. In: CARSON, D. A. (Org.). Bíblia de estudo Thomas Nelson. [BETN]. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2021, p. 313. O substantivo hǎr, da Bíblia hebraica, pode se referir a um monte em particular, ou a um território montanhoso (uma cadeia de montanhas).

[3] HENRY, Matthew. Comentário bíblico Antigo Testamento: Gênesis a Deuteronômio. Edição completa. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2010, v. 1, p. 1910. Na verdade, a questão é mais complexa. Merrill explica as dificuldades de conciliar os relatos de Números e Deuteronômio, concluindo que “tendo em conta a enorme população, o estilo de vida nômade ou seminômade do povo e as vicissitudes do clima e das pastagens, não pode haver dúvida de que as tribos de Israel se espalhavam amplamente pelas regiões do Sinai e do Neguebe (cf. Nm 14.25). Tudo o que Números 20.1 está dizendo é que no primeiro mês (do quadragésimo ano) eles retornaram a Cades. E de lá seguiram para Hor (Nm 20.22) como parte da viagem relatada em termos muito menos específicos em Deuteronômio 2.1”; cf. MERRILL, Eugene H. Deuteronômio. São Paulo: Vida Nova, 2025, p. 80 (Comentário exegético).

[4] HENRY, op. cit., loc. cit.

[5] THOMPSON, J. A. Deuteronômio: Introdução e comentário. Reimp. 2017. São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 86 (Série cultura bíblica).

[6] CRAIGIE, P. C. Deuteronômio. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 104 (Comentários do Antigo Testamento).