19 Então, partimos de Horebe e caminhamos por todo aquele grande e terrível deserto que vistes, pelo caminho da região montanhosa dos amorreus, como o Senhor, nosso Deus, nos ordenara; e chegamos a Cades-Barneia.
20 Então, eu vos disse: tendes chegado à região montanhosa dos amorreus, que o Senhor, nosso Deus, nos dá. 21 Eis que o Senhor, teu Deus, te colocou esta terra diante de ti. Sobe, possui-a, como te falou o Senhor, Deus de teus pais: Não temas e não te assustes.
22 Então, todos vós vos chegastes a mim e dissestes: Mandemos homens adiante de nós, para que nos espiem a terra e nos digam por que caminho devemos subir e a que cidades devemos ir. 23 Isto me pareceu bem; de maneira que tomei, dentre vós, doze homens, de cada tribo um homem. 24 E foram-se, e subiram à região montanhosa, e, espiando a terra, vieram até o vale de Escol, 25 e tomaram do fruto da terra nas mãos, e no-lo trouxeram, e nos informaram, dizendo: É terra boa que nos dá o Senhor, nosso Deus. Deuteronômio 1.19-25.
Sermão do Pastor Misael Batista do Nascimento. Pregado na Igreja Presbiteriana de São José do Rio Preto, no culto da noite, em 21/09/2025.
Introdução
Próximo do fim de sua vida, Moisés fala ao povo acampado a leste do Jordão, prestes a entrar na terra prometida. O velho Moisés prega para a nova geração (Dt 1.1-5). Era necessário lembrar de algumas coisas. Apresentar alguns fatos e revisitar outros, a fim de aprender com eles.
Moisés inicia mencionando que, quarenta anos antes, o povo se reuniu em torno do Monte Horebe (o Sinai). Na ocasião, Deus motivou os israelitas a tomarem posse da Terra de Canaã. O próprio Deus jurou dar aquela terra a Abraão e a seus descendentes (Dt 1.6-8). A nova geração tinha de saber disso.
Em seguida, Moisés explica para a nova geração que a aliança divina com Israel tem por objetivo firmar um reino teocrático de cuidado e justiça. Por isso, Deus constituiu um governo para pastorear e julgar o povo (Dt 1.9-18). A nova geração tinha de saber disso.
A partir de agora, Moisés revisitará outra reunião do povo, em um lugar aprazível, chamado Cades-Barneia (Dt 1.19-46). A nova geração tem de saber o que aconteceu ali. Este relato de Moisés é dividido em três partes começando com boas notícias sobre a terra (v. 19-25), evoluindo para incredulidade e murmuração (v. 26-33) e descambando no desagrado de Deus e disciplina (v. 34-46). Se Deus permitir, nós dedicaremos um sermão específico para cada parte.
O objetivo de Moisés parece ser simples: ajudar a nova geração a compreender que o reino avança com fé obediente. O reino já estava avançando como Moisés mencionou no v. 10: “O Senhor, vosso Deus, vos tem multiplicado; e eis que, já hoje, sois multidão como as estrelas dos céus”. Mas o reino precisa avançar mais. E o avanço do reino requer a conquista da Terra Prometida. A geração anterior fracassou nesse ponto. A nova geração não pode cometer o mesmo erro — ela precisa crer e avançar.
Nosso objetivo hoje é seguir a divisão do texto a partir da palavra “então”, nos v. 19,20,22,[1] como segue: [1] Israel viaja sob o comando divino (v. 19). Além disso, [2] Israel recebe incentivo poderoso (v. 20-21). Por fim, [3] Israel ouve um relato animador (v. 22-25).
Se você está prestando atenção, o quadro inicial, de Deuteronômio 1.19-25, é bastante positivo. Parece que tudo daria muito certo em Cades-Barneia.
Vejamos, em primeiro lugar, que…
I. Israel viaja sob o comando de Deus
Como lemos no v. 19:
Então, partimos de Horebe e caminhamos por todo aquele grande e terrível deserto que vistes, pelo caminho da região montanhosa dos amorreus, como o Senhor, nosso Deus, nos ordenara; e chegamos a Cades-Barneia.
Nós já vimos, no v. 2, que o tempo de jornada do Horebe até Cades-Barneia era de onze dias. Agora, neste v. 19, ficamos sabendo que a viagem não foi agradável. A jornada “foi repleta de perigos e dificuldades”;[2] daí a referência a “todo aquele grande e terrível deserto que vistes”.[3]
Números 11.1—12.16 descreve o povo provocando a ira de Deus com suas queixas, ansiando pelas comidas egípcias e chorando na porta de Moisés (Nm 11.1-15). Deus envia codornizes para saciar o desejo do povo e ali, muitos morrem enquanto ainda estão comendo, afetados por praga (Nm 11.31-35). Para completar, Miriã e Arão falam mal de Moisés e Deus fere Miriã com lepra, durante sete dias (Nm 12.1-16). Tudo isso aconteceu naquela breve viagem de onze dias! Por isso eles podiam se lembrar em “todo aquele grande e terrível deserto” que viram.
O importante, porém, é que eles podiam dizer: Chegamos a Cades-Barneia “como o Senhor, nosso Deus, nos ordenou”! Especialmente porque Cades-Barneia era “um grande oásis com abundantes fontes e pastagens”.[4]
E é assim que inicia este relato, com Israel viajando sob o comando de Deus.
Mas não apenas isso. Em segundo lugar…
II. Israel recebe incentivo poderoso
É o que consta nos v. 20-21:
20 Então, eu vos disse: tendes chegado à região montanhosa dos amorreus, que o Senhor, nosso Deus, nos dá. 21 Eis que o Senhor, teu Deus, te colocou esta terra diante de ti. Sobe, possui-a, como te falou o Senhor, Deus de teus pais: Não temas e não te assustes.
Em Cades-Barneia, Israel foi incentivado pela Palavra de Deus, de diferentes maneiras. A “região montanhosa dos amorreus” é “a parte central de Canaã, que constituía o coração da herança prometida”.[5] Primeiro incentivo da Palavra de Deus: [1] A terra foi dada pelo Senhor a vocês, “nos dá” (20); “te colocou esta terra diante de ti” (21).
Segundo incentivo da Palavra de Deus: [2] Obedeçam. Subam e possuam a terra tal como Deus disse para fazer (v. 21). Cf. v. 8. Deus está repetindo a ordem. Vocês precisam crer e obedecer. O reino avança com fé obediente.
Terceiro incentivo da Palavra de Deus: [3] Não tenham medo — “Não temas e não te assustes” (v. 21). Deus, que fez a promessa, está com vocês. Deus Todo-Poderoso, que realizou grandes sinais no Egito, rebaixando o império mais poderoso daquela época; Deus, que os fez atravessar o mar Vermelho, está com vocês. Absolutamente não há o que temer.
Isso significa que Israel não está desguarnecido. Seja o que for que haja adiante, eles podem e devem prosseguir. Deus fez uma promessa. Deus deu uma ordem. Deus os consola e encoraja. Em Cades-Barneia, Israel recebe incentivo poderoso.
Além disso, em terceiro lugar…
III. Israel ouve um relato animador
E podemos conferir isso nos v. 22-25:
22 Então, todos vós vos chegastes a mim e dissestes: Mandemos homens adiante de nós, para que nos espiem a terra e nos digam por que caminho devemos subir e a que cidades devemos ir. 23 Isto me pareceu bem; de maneira que tomei, dentre vós, doze homens, de cada tribo um homem. 24 E foram-se, e subiram à região montanhosa, e, espiando a terra, vieram até o vale de Escol, 25 e tomaram do fruto da terra nas mãos, e no-lo trouxeram, e nos informaram, dizendo: É terra boa que nos dá o Senhor, nosso Deus.
O povo sugere a Moisés que envie os exploradores (ou espias) para dar uma olhada na terra e apresentar um relatório (v. 22). Há quem entenda esta sugestão do povo como evidência de fraqueza, de incredulidade, pois o que mais era necessário, uma vez que eles tinham a promessa, o comando e o incentivo da palavra de Deus?[6] Moisés, no entanto, concorda com eles e envia doze espias (v. 23).
Os v. 24-25 reportam que os exploradores verificam a terra e trazem parte do seu fruto. E com ele informação animadora: “É terra boa que nos dá o Senhor, nosso Deus”, enfatizando que o adjetivo ṭôḇ; “bom”, remete à ideia de felicidade, pois evoca a bondade da criação de Deus antes da Queda, em Gênesis 1.
Resumindo, em Cades-Barneia, Israel ouve um relato animador. A partir daqui podemos concluir…
Conclusão
Recapitulando, em Deuteronômio 1.19-25, [1] Israel viaja sob o comando divino e, em Cades-Barneia [2] recebe incentivo poderoso e [3] ouve um relato animador.
É como a gente diz: “Tinha tudo para dar certo”. Às vezes a gente imagina que as coisas mais terríveis, mais drásticas da nossa vida, mais catastróficas acontecem em contextos de opressão ou sofrimento. Imaginamos que o momento mais perigoso de nossa vida equivale a quando tudo parece estar dando errado, mas nem sempre é assim.
Você percebe o que está acontecendo aqui? O povo foi liberto da escravidão e Deus o acompanha. Depois de um tempo em Horebe, Deus conduz Israel para esse lugar paradisíaco, Cades-Barneia. Lá Deus diz que “tem mais” coisas boas adiante deles, um lugar “mió dibão” como dizem os mineiros, onde eles encontrarão felicidade. Está tudo bom demais. Deus os conduziu durante a viagem. Atualizou a promessa e proferiu palavras preciosas. Permitiu que eles enviassem espias que voltaram com um relato animador: “A terra é boa”. Tudo está dando muito certo para Israel, quarenta anos antes.
Agora Moisés fala com a geração atual, explicando porque Israel de quarenta anos atrás não deu certo. A gente vai detalhar isso nos próximos sermões sobre este episódio de Cades-Barneia. O ponto agora é que Moisés olha para a geração atual, posicionada não mais ao Sul e sim em Moabe, defronte ao rio Jordão, e diz: “Vocês têm tudo para dar certo”. A Terra Prometida continua lá, ainda prometida, mas ainda não conquistada, aguardando gente de fé que obedeça a Deus e a conquiste. A geração atual tem a incumbência de obedecer a Deus hoje.
Esse é o desafio diante de nós, o quadro colocado diante de nós nesse momento, nessa parte do sermão de Moisés.
Nós apreciamos o Hino 110-A, “Crer e observar”:
Crer e observar tudo quanto ordenar!
O fiel obedece ao que Cristo mandar![7]
Isso é bom de cantar, mas não é tão fácil de praticar. Estava tudo bom, tudo positivo demais, mas eles não avançaram. O ponto aqui, como afirmamos antes, é que o reino avança com fé obediente.
Nós meditaremos em aplicações gerais na conclusão das pregações sobre o episódio de Cades-Barneia. Hoje eu chamo atenção para um ponto bem específico, qual seja, este relato nos ajuda a entender um pouquinho o que é a nossa vida nesse mundo. De acordo com o que vimos até aqui, em nossa vida neste mundo a gente nunca “chega lá”. O crente sempre está “a caminho”.
Você entende isso? Eu sei que você quer “chegar lá”, seja lá o que essa expressão — “chegar lá” — signifique para você. Talvez você diga: “ah, eu preciso terminar esse curso ou ajustar um detalhe em minha vida financeira, constituir patrimônio, trocar de carro, me casar ou me dedicar a esse projeto novo com os netos”. Sempre haverá alguma coisa em nosso coração sugerindo que, ao realizá-la, teremos “chegado lá”. Mas ao chegar, aparecerão novas coisas, desafios e obstáculos.
O autor da Carta aos Hebreus olha para a trajetória do Êxodo e conclui que nós, cristãos, somos peregrinos em terra estranha (Hb 11.13,37; cf. 1Pe 2.11). Essa é a nossa situação. Você já parou para pensar nisso? Imagine-se saindo do Egito com aquela adrenalina toda, atravessando o mar Vermelho e, de lá, seguindo para Horebe e montando acampamento ali. Então Deus ordena que seja construído o Tabernáculo e você se lança ao desafio de ajudar nas ofertas e construção. Esta é a missão de Deus e o objetivo que você abraça de todo coração. Concluída a obra, a glória de Deus desce sobre o Tabernáculo, sinalizando aprovação e bênção. E você se alegra com isso e pensa que permanecerá por longo tempo em Horebe. Certo dia a nuvem da presença de Deus se levanta. É hora de desmontar acampamento e sair de Horebe. Todos dizem “está certo, vamos lá”. E são conduzidos por Deus em uma viagem dificílima, de Horebe até Cades-Barneia. Finalmente, depois de pouco mais de um ano e meio viajando, desde a saída do Egito, você chega a um lugar bonito, aprazível e reflete: “Vou montar minha espreguiçadeira aqui”. E festeja por dentro: “Olhe só essas palmeiras, essa sombrinha e água fresca. Que delícia é Cades-Barneia!” É possível pensar em se estabelecer neste lugar. Então Deus fala novamente: Saia. Olhe para a terra ao norte. Você deve subir até lá e possuir aquela terra.
Como veremos, esse é só o início da história e o tempo todo, em cada uma nova divisa ou limiar, Deus vai dizendo a mesma coisa: “Creia em mim e me obedeça; creia em mim e me siga”. Isso é impressionante. O povo de Deus sempre estará em peregrinação. Isso é a nossa vida. É bem interessante isso. O crente é sempre um peregrino.
Por que será que isso é assim? Isso tem relação com a fala anterior de Moisés, sobre a nomeação dos líderes-auxiliares. Deus está estabelecendo um reino de cuidado e justiça. Esse reino sempre se expande — está em expansão contínua. Ele também sempre se aprofunda. O reino se expande e se aprofunda através de nós. É por isso que povo precisa se mobilizar e subir, obedecer e conquistar a terra.Mas o reino só se expande e aprofunda a partir de nós depois que ele se expande e se aprofunda dentro de nós. Deus precisa descer ao fundo do nosso coração e reinar primeiro lá. Ele precisa ensinar o nosso coração a crer e obedecer. Por que o povo não obedeceu em Cades-Barneia? Se Deus permitir, isso será respondido no próximo sermão. O importante é entendermos agora que tem coisas que Deus precisa firmar em nós a fim de nos tornar agentes de expansão de seu reino nesta terra. Antes de fincar estacas e bandeiras em Canaã, Deus precisa fincar suas estacas e sua bandeira dentro de nós, tratando de nosso coração. Talvez você argumente indignado: “Logo agora que eu cheguei até aqui e tudo parece tão bom, por que Deus quer que saia daqui?” Talvez Deus deseja tratar você para torná-lo mais paciente e calmo.
Por graça, a gente vai começando a entender como, na aliança, Deus valoriza o processo. Essa tônica aparece aqui, em Deuteronômio e continua sublinhada até o final do Novo Testamento. Para Deus o resultado é importante; ele nos incumbe de tarefas que precisam ser realizadas. Mas para Deus o processo também é importante; o modo como, ao longo de nossa peregrinação, o reino de Deus é firmado, aprofundado e consolidado dentro da nossa alma. Depois que o reino é consolidado dentro de nós ele transborda e aí sim, podemos fazer algo agradável a Deus e útil nesse mundo. Contribuir para o avanço do reino fora de nós, em nosso entorno. Quanto pensamos em um povo de Deus que avança e é instrumento para o avanço do reino — especialmente neste Domingo Missionário —, temos em mente a graça e o poder de Deus avançando dentro do povo, modificando o coração deste povo. Deus instalando o reino no povo antes de instalar o reino no mundo. Essa é uma das ênfases de Deuteronômio.
E para prosseguir nessa peregrinação lutando e vencendo, nós precisamos dessas coisas que são apontadas aqui no texto. Primeiro, de Deus mesmo; Deus conosco. Deus está com o povo. Se nós temos Deus conosco por meio de Cristo; se nós desfrutamos de comunhão com ele, tocamos a vida debaixo de seu controle e ele reina e ministra sua graça em nós. Deus mesmo vai nos libertando do medo e nos ajudando a obedecer e a avançar. A gente precisa da Palavra de Deus nos incentivando com promessas, chamados à obediência e consolação. Ouvir de Deus: “Não tenham medo”.
Um estudioso olha para esse texto e diz que:
Não há motivo algum para duvidar que Cades-Barneia seria apenas uma parada no caminho e que a invasão de Canaã seria pelo sul, precisamente a rota seguida pelos doze exploradores (cf. v. 22-25; Nm 13.21-24).[8]
É assim que podia ser, mas não foi porque aquela geração não creu e não obedeceu. Israel poderia ter entrado tempos antes. Mas não entrou. Se Deus permitir entenderemos por que isso aconteceu em nosso próximo sermão sobre Deuteronômio. Por ora guardemos no nosso coração que o reino avança com fé obediente.
Vamos orar sobre isso.
Notas
[1] A conjunção וְ, w; “e”; “com”; “ou”; demarca a passagem na Bíblia hebraica.
[2] MERRILL, Eugene H. Deuteronômio. São Paulo: Vida Nova, 2025, p. 59 (Comentário exegético).
[3] MANLEY, G. T. “Deuteronômio”. In: DAVIDSON, F. O novo comentário da Bíblia. Reimp. 1985. São Paulo: Edições Vida Nova, 1985, v. 1, p. 226: “Todos os viajantes concordam com esta descrição da vastidão de areia e rocha ao norte do Monte Sinai, onde fogo e terra coberta de pedra escura e penetrante. São raros os oásis com poços ou nascentes de água.”
[4] MERRILL, op. cit., p. 59.
[5] Ibid., p. 58.
[6] MCCONVILLE, Gordon. “Deuteronômio”. In: CARSON, D. A.; FRANCE, R. T.; MOTYER, J. A.; WENHAM, G. J. Comentário bíblico Vida Nova. São Paulo: Edições Vida Nova, 2009, p. 312: “A decisão de enviar os espiões foi um sinal de nervosismo.”
[7] SAMMIS, J. H.; GINSBURG, S. L. “Hino 110-A Crer e Observar”. In: MARRA, Cláudio. (Org.). Novo cântico. 16ª ed. Reimp. 2017. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 87.
[8] MERRILL, op. cit., p. 58.
Recursos adicionais
Arquivos em PDF
Slides do sermão em PDF