Nosso Senhor Jesus Cristo afirmou: “os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento” (Lucas 5.32). No Antigo Testamento, o estado espiritual de Israel e dos gentios exigia cura (Isaías 1.4-6; 19.22; 57.14-19). A Bíblia que ensina que há cura na redenção (Isaías 53.4-5). Antes da glorificação, porém, continuamos enfermos. Não há uma só pessoa não glorificada que apresente absoluta saúde espiritual, emocional e física. Somente no Paraíso desfrutaremos do acesso à perfeita satisfação e cura (Apocalipse 21.4, 22.2-3).1
Tal constatação deveria produzir uma maneira diferenciada de enxergarmos a nós mesmos e ao próximo. Uma visão realista e bíblica de nosso estado de enfermidade pré-glorificação poderia, por exemplo, diminuir o peso de culpa relacionado às doenças. O cristianismo atual tem dificuldades em lidar com as enfermidades, sejam estas físicas, psicológicas ou espirituais.
Na realidade, há no inconsciente de todas as pessoas uma certa repugnância defensiva contra a doença e a enfermidade, vestígios da miséria humana que preferimos esquecer. A pobreza, a doença e a morte trazem ao espírito o problema existencial com brutalidade dolorosa, ao qual muitos desejariam, conscientemente ou não, fechar os olhos.2
C. S. Lewis, em O Problema do Sofrimento, afirma que a doença produz quatro resultados. Primeiro, ela nos faz humildes; segundo, ela nos torna seres humanos mais amadurecidos; terceiro, ela serve para o testemunho de nossa fé aos incrédulos; quarto, ela abre espaço para o exercício da compaixão, da paciência e da generosidade.3
Calvino ensina algo semelhante:
Nas coisas árduas e difíceis, que são consideradas adversas e más, compartilhamos dos sofrimentos de Cristo, de sorte que, como ele do labirinto de todos os males entrou na glória celeste, assim, por entre variadas tribulações, sejamos conduzidos à mesma glória.4
Tal constatação sugere uma redefinição da igreja. Não há razão para nos sentirmos diminuídos, afastando-nos da comunhão por não sermos “perfeitos”. Muito menos para olharmos para nossos irmãos listando suas deficiências. Cada um de nós precisa de cura. Nós não somos triunfalistas; admitimos, como o salmista, que “somos pó” (Salmos 103.14). Não somos uma agremiação de perfeitos. Somos uma família de discípulos de Jesus. Precisamos nos assemelhar, cada vez mais, a um hospital.
Rev. Misael. Publicado no Boletim 131, de 01/07/2012.
1 KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 729.
2 TOURNIER, Paul. Culpa e Graça: Uma Análise do Sentimento de Culpa e o Ensino do Evangelho. São Paulo: Aliança Bíblica Universitária (ABU), 1985, p. 18.
3 LEWIS, C. S. O Problema do Sofrimento. São Paulo: Vida, 2008, passim.
4 CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica, 3.8.1. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 173.