A fé é cheia de convites para permanecermos no centro em meio a posições extremas. Não que ela seja flácida, conformista ou diplomática, pois em certos contextos exige radicalismos e beligerância. Mas ela possui este aspecto delicado, tênue e ao mesmo tempo perigoso de fio da navalha, de corda bamba — quando precisamos tomar uma posição e, se esta for extremada, estamos mortos. Em algumas instâncias, a fé é assim.
A fé fala de racionalidade, de orientação da percepção para aquilo que se vê: “observai as aves do céu […] considerai como crescem os lírios do campo” (Mateus 6.26, 28). Notemos este elemento reflexivo, este estímulo a que usemos nossas mentes em perscrutar os fatos da existência e a concluir com base naquilo que vimos. Isso significa que fomos dotados de capacidade intelectiva e crítica, para que caminhemos com discernimento, baseados em evidências.
A fé fala de suprarracionalidade, de orientação da mente e coração para aquilo que é invisível: “a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem” (Hebreus 11.1). Aqui, trata-se de tatear em um corredor, na escuridão, certo de que existe uma porta, confiado somente na palavra daquele que projetou e construiu a casa.
Tudo estaria bem se fôssemos perfeitos. Bastaria armazenar as conclusões racionais, adquiridas na meditação das Escrituras e na observação da providência, treinar a capacidade de esperar aquilo que não é visível e pronto, seríamos sempre felizes e vencedores. Vejam, no entanto, a contradição, o oxímoro, os extremos: observar o que pode ser observado e crer naquilo que não pode ser visto.
Em momentos de relativa saúde da alma, conseguimos realizar esta façanha. Levantamos alguns dados existenciais e percebemos coisas boas e ruins, acertos e erros, prós e contras, avanços e recuos. É quando conseguimos dizer “isso é assim mesmo” de bem com Deus e com a vida. Notamos as tribulações mas somos capazes de, também, contar as bênçãos, equilibrando-nos nesta corda que divide os lados racional e suprarracional da fé.
Em outras horas, fraquejamos. Os fatos (ou nossa visão turva dos mesmos) mostram-se avassaladores e esmagam a fé. Tais como Elias no monte Horebe, somos tomados por sentimentos de desolação (1Reis 19). E notamos que somos quais pulgas diante de gigantes, fadados ao esmagamento fulminante. Então, incapazes de dar um passo além, caímos e choramos. Aparentemente, a visão do invisível (viram como a própria linguagem da fé é cheia de nomeações contraditórias?) se desfaz. “Pra quê continuar, quem somos nós para irmos adiante?” — pensamos e sentimos — e daí quase morremos.
Por que isso é assim? Sugerirei algumas respostas na próxima pastoral.
Rev. Misael. Publicado no Boletim 016.
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